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Habitação 

Participação e análise da CML ao programa "Mais Habitação" apresentado pelo Governo*

O desafio da Habitação é um dos maiores desafios que a sociedade portuguesa enfrenta. Tendo o atual executivo tomado posse há pouco mais de um ano, foi iniciado de imediato um plano de ação que combate o drama na habitação – um drama que milhares de famílias sentem, que pulveriza continuamente a classe média, que adia a emancipação de cada vez mais jovens e que compromete o acesso ao ensino superior de tantos estudantes deslocados.

Obras de renovação em curso no Bairro da Boavista

Fazer da habitação uma prioridade da política pública era há muito uma necessidade premente.

Em Lisboa, assistimos a uma autêntica década perdida na habitação: de 2010 a 2020, a média anual de habitações públicas construídas fixou-se no número dramaticamente baixo de 17 habitações, em comparação com 991 na década antecedente. Mas esta inércia não se ficou pela capital e estendeu-se ao país. Recuperar o tempo perdido é, portanto, um imperativo.
O problema da habitação deve-se, ainda, a fatores que tornam o problema extremamente complexo e particularmente difícil de corrigir nos grandes centros urbanos.

Para compreender a complexidade do problema, olhemos brevemente para algumas das suas causas. Desde logo, a disparidade entre o custo da habitação e os rendimentos das famílias. Na Área Metropolitana de Lisboa, de 2016 a 2022 (primeiro trimestre), o valor médio das rendas aumentou 50% enquanto o valor do rendimento se ficou pelos 19%.

A esta disparidade soma-se o aumento da procura imobiliária caracterizada por novos segmentos. É resultado da forma como as cidades se reforçaram como principal palco das transformações económicas, sociais e culturais do mundo contemporâneo.

No entanto, este aumento da procura não tem sido equilibrado com uma maior oferta. Não só a falta de oferta de habitação a preços acessíveis para os rendimentos da maioria da população portuguesa, mas a falta de oferta de habitação tout court.

O Programa Mais Habitação e a Falta de Participação Pública

Perante esta multiplicidade de fenómenos, entendemos que são necessárias soluções que unam esforços, que se abram à participação e ao envolvimento da sociedade civil e que substituam a ideologia pelo pragmatismo.

Infelizmente, notamos que a abertura à participação pública na elaboração do programa Mais Habitação foi inconstante e sempre sujeita à pressão do momento. Só assim se explica o prazo inicial de dez dias para a discussão pública, estendido posteriormente por mais quatorze dias a pedido da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
Adicionalmente, deve ser realçado que, sem prejuízo do período de consulta pública, o Governo decidiu – por ação ou omissão – não auscultar preventivamente as autarquias locais que não só são dos principais destinatários deste programa como dispõem de atribuições e competências próprias no domínio da habitação.

Não obstante os condicionalismos inerentes a todo o processo, a cidade de Lisboa quer deixar clara a sua apreciação sobre o plano apresentado pelo Governo.

Considerações sobre o Programa Mais Habitação

Para a Autarquia de Lisboa, uma política pública de habitação deve ser participativa, inclusiva, envolvente e pragmática. Pela complexidade do problema, resolver este desafio implica juntar os esforços de todas as partes: seja o setor público, o setor privado, e o setor social ou cooperativo. Não podemos resolver o problema com obstinação ideológica e o seu consequente alheamento da realidade. Pelo contrário, exige que o…

Fazer da habitação uma prioridade da política pública era há muito uma necessidade premente.

Em Lisboa, assistimos a uma autêntica década perdida na habitação: de 2010 a 2020, a média anual de habitações públicas construídas fixou-se no número dramaticamente baixo de 17 habitações, em comparação com 991 na década antecedente. Mas esta inércia não se ficou pela capital e estendeu-se ao país. Recuperar o tempo perdido é, portanto, um imperativo.
O problema da habitação deve-se, ainda, a fatores que tornam o problema extremamente complexo e particularmente difícil de corrigir nos grandes centros urbanos.

Para compreender a complexidade do problema, olhemos brevemente para algumas das suas causas. Desde logo, a disparidade entre o custo da habitação e os rendimentos das famílias. Na Área Metropolitana de Lisboa, de 2016 a 2022 (primeiro trimestre), o valor médio das rendas aumentou 50% enquanto o valor do rendimento se ficou pelos 19%.

A esta disparidade soma-se o aumento da procura imobiliária caracterizada por novos segmentos. É resultado da forma como as cidades se reforçaram como principal palco das transformações económicas, sociais e culturais do mundo contemporâneo.

No entanto, este aumento da procura não tem sido equilibrado com uma maior oferta. Não só a falta de oferta de habitação a preços acessíveis para os rendimentos da maioria da população portuguesa, mas a falta de oferta de habitação tout court.

O Programa Mais Habitação e a Falta de Participação Pública

Perante esta multiplicidade de fenómenos, entendemos que são necessárias soluções que unam esforços, que se abram à participação e ao envolvimento da sociedade civil e que substituam a ideologia pelo pragmatismo.

Infelizmente, notamos que a abertura à participação pública na elaboração do programa Mais Habitação foi inconstante e sempre sujeita à pressão do momento. Só assim se explica o prazo inicial de dez dias para a discussão pública, estendido posteriormente por mais quatorze dias a pedido da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).
Adicionalmente, deve ser realçado que, sem prejuízo do período de consulta pública, o Governo decidiu – por ação ou omissão – não auscultar preventivamente as autarquias locais que não só são dos principais destinatários deste programa como dispõem de atribuições e competências próprias no domínio da habitação.

Não obstante os condicionalismos inerentes a todo o processo, a cidade de Lisboa quer deixar clara a sua apreciação sobre o plano apresentado pelo Governo.

Considerações sobre o Programa Mais Habitação

Para a Autarquia de Lisboa, uma política pública de habitação deve ser participativa, inclusiva, envolvente e pragmática. Pela complexidade do problema, resolver este desafio implica juntar os esforços de todas as partes: seja o setor público, o setor privado, e o setor social ou cooperativo. Não podemos resolver o problema com obstinação ideológica e o seu consequente alheamento da realidade. Pelo contrário, exige que o Estado dê o exemplo, que promova a confiança com todos os parceiros, e que envolva efetivamente o poder local e as suas diferentes realidades e assimetrias na procura de soluções.

O Estado deve dar o exemplo

De acordo com a Lei de Bases da Habitação, “Para garantir a função social da habitação, o Estado recorre prioritariamente ao património edificado público, mobilizável para programas habitacionais destinados ao arrendamento”. Esta norma obriga o Estado a dispor do seu próprio património como forma de colmatar as principais necessidades de habitação.
É com este contexto que deve ser analisado o mecanismo de arrendamento forçado previsto no artigo 15.º da Proposta de Lei n.º 64/XXIII/2023.

A solução proposta pelo Governo permite concluir que, desvirtuando a obrigação imposta pela Lei de Bases da Habitação, o Estado não dá o exemplo porque exige dos privados aquilo que “prioritariamente” deveria fazer: colocar à disposição das pessoas, em programas de habitação pública, o extenso repertório de imóveis públicos devolutos.

Além disso, a medida atribui aos municípios a competência universal para proceder ao arrendamento forçado de imóveis devolutos. Numa condição em que o próprio Estado não consegue cumprir a obrigação legal no que toca à gestão do seu património, a responsabilização municipal pela execução desta medida representa uma solução de descarte.

Mas não só: o Governo generaliza a aplicação de uma medida que se pretendia excecional. De acordo com o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 89/2021, de 3 de novembro, o procedimento de arrendamento forçado aplicava-se exclusivamente a imóveis devolutos localizados em zonas de pressão urbanística. Com a solução apresentada pelo Governo, o arrendamento forçado torna-se num instrumento geral de ação pública que poderá colocar em causa o conteúdo essencial do direito fundamental à propriedade privada.

O Estado deve promover a confiança da sociedade civil

De forma a responder à crise na oferta de habitação, as respetivas políticas públicas devem promover confiança e estabilidade nos seus destinatários. Ao invés, o Governo opta pela incerteza e disrupção.

Desde logo na forma como afeta uma atividade económica como o Alojamento Local (AL), em que a competência para regulação do setor é atualmente confiada aos municípios.
A criação de um novo regime fiscal gera uma situação de desigualdade injustificada:

  • A atribuição de benefícios fiscais da transição de imóveis afetos a AL para arrendamento discrimina os atuais proprietários de imóveis arrendados que, dessa forma, já prosseguem um objetivo desejado pelo Governo;
  • A contribuição extraordinária sobre o AL gera um ónus sobre os atuais proprietários de estabelecimentos de alojamento local que não recai sobre outros de natureza similar.

Adicionalmente, medidas como a suspensão de emissão de novas autorizações para registo de estabelecimentos de alojamento local até 31 de dezembro de 2030, a reapreciação das atuais autorizações de AL em 2030, a sujeição das novas autorizações a uma renovação quinquenal não automática, a sua caducidade por qualquer causa de transmissão, ou a possibilidade dos condomínios porem termo às licenças emitidas sem a sua aprovação, criam uma insustentável indefinição quanto ao futuro do setor.

Ademais, quando analisamos o regime de arrendamento para subarrendamento proposto, identificamos riscos na necessária confiança do cidadão na relação com o Estado. Os proprietários de imóveis necessitam de certeza e previsibilidade, desde logo quanto ao pagamento atempado da renda ou à devolução dos imóveis em condições de utilização findo o prazo do contrato de arrendamento.

Por último, e no que a Lisboa diz respeito, a Câmara Municipal encontrava-se pronta para sujeitar a discussão pública uma proposta de alteração ao regulamento municipal para o alojamento local. Consiste num esforço equilibrado entre a necessidade de regular o setor – que não só reconhecemos como defendemos – sem gerar qualquer instabilidade no mesmo.

O Estado deve envolver os municípios

Considerando a responsabilidade municipal pela gestão urbanística, a cidade de Lisboa considera que as seguintes alterações podem ter efeitos positivos: a sujeição das obras de edificação a comunicação prévia e a definição da aprovação do projeto de arquitetura com base nos termos de responsabilidade de projetistas.

Contudo, mostram também uma outra face. Não nos podemos esquecer que estas alterações foram propostas sem a auscultação prévia dos municípios, tendo elas mesmo consequências diretas na sua ação diária. Assim, confirmam o afastamento do Governo em relação aos municípios em todo o processo de elaboração do programa Mais Habitação. Além disso, comportam riscos que não parecem ser devidamente acautelados, nomeadamente no que respeita à ausência de reforço de competências para a fiscalização da legalidade das operações urbanísticas.

Este pecado original do programa – a falta de envolvimento das autarquias – revela o centralismo excessivo que pautou a sua elaboração. Um centralismo que se estende a algumas medidas que analisámos e que consideramos atentar contra a autonomia do poder local.

Em primeiro lugar, a competência de fiscalização das condições de habitabilidade de fogos. Se, numa primeira análise, o Governo parece pretender que esta competência se exerça somente em relação aos imóveis arrendados ou subarrendados, o aditamento ao Regime Jurídico de Urbanização e Edificação banaliza esta competência. Aparentemente, o Governo pretende normalizar o dever de fiscalização das condições de habitabilidade sem definir concretamente no que consistem essas condições e sem clarificar a que imóveis se aplica. Ora, se a solução legal atualmente em vigor suscita dúvidas, a que se pretende ver aprovada só pode gerar incertezas adicionais.

Em segundo lugar, a conversão de imóveis de comércio ou serviços em habitação decretada através de uma presunção de compatibilidade promovida por via legislativa. Esta medida viola a autonomia do poder local e a reserva constitucional de plano já que cabe às autarquias definição das regras de uso do solo através de instrumentos de gestão territorial.

A Política de Habitação em Lisboa

O novo executivo da Câmara Municipal de Lisboa, mesmo tendo iniciado funções há pouco mais de um ano, imediatamente adotou um plano concreto que pretende colmatar a escassez de oferta habitacional.

O desafio da habitação não se ultrapassa colocando o setor privado contra o setor público, ou inquilinos contra proprietários, mas unindo os esforços de todos. Essa é a visão da cidade de Lisboa, plasmada na nossa Carta Municipal da Habitação.

A experiência da Câmara Municipal em política de habitação não pode ser negligenciada se o Governo pretende efetivamente resolver um desafio desta dimensão. Em 2023, incluímos no Orçamento Municipal um investimento histórico e ambicioso na habitação em Lisboa: 122 milhões de euros destinados à reabilitação de fogos municipais, à construção para aumento do parque habitacional municipal e ao apoio à renda para que qualquer casa possa tornar-se acessível de imediato; em 2022 apoiámos 1259 famílias na atribuição de habitação e no apoio à renda, e apresentámos um Sistema Municipal de Habitação que junta os esforços dos vários setores – público, privado e misto, onde se inclui o relançamento das cooperativas de habitação.

A nossa prioridade está agora em lançar esta visão transversal para o futuro.

Estamos focados em aumentar e melhorar a oferta de habitação. Fazemo-lo com mais de mil habitações públicas já entregues a famílias desde outubro de 2021, com cerca de mil fogos em obra, cerca de mil e setecentos em projeto, e mais de dois mil em estudo para desenvolver terrenos municipais expectantes.

Estamos a concretizar o maior programa de reabilitação dos bairros municipais: 19 milhões de euros que já permitiram reabilitar até hoje 427 casas sob gestão da GEBALIS – Gestão do Arrendamento Social em Bairros Municipais de Lisboa, E.M., S. A. (estando previstas mais 400) e realizar uma atribuição histórica de 200 casas em simultâneo para famílias com carências socioeconómicas.

Incluímos os bairros municipais na Estratégia Local de Habitação, para que os edifícios em mau estado de conservação possam ser agora reabilitados com o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Mas não chega a habitação municipal: o desafio da habitação exige que trabalhemos com o setor privado. Nesse sentido, a Câmara Municipal de Lisboa encontra-se a rever o regime de concessões para encontrar novos modelos adequados à realidade e que contribuam para a identificação de soluções. Iremos ainda incentivar a alienação voluntária de imóveis privados devolutos ou inutilizados – em respeito para com o direito de propriedade privada.

Depois, reduzindo as assimetrias no acesso à habitação. Esta é uma das nossas prioridades: reforçámos o apoio à renda para poder ajudar até mil famílias, abrindo este apoio a profissionais deslocados, lançámos dois concursos extraordinários de renda acessível, para passar a incluir as famílias com baixos rendimentos nas respostas municipais para atribuição de habitação.

Cientes das dificuldades identificadas pelos jovens na compra da primeira casa, consideramos da maior importância a isenção do pagamento de IMT na aquisição da primeira habitação para os jovens com menos de trinta e cinco anos.

Com projetos a executar através de investimento próprio e do PRR, a Câmara Municipal de Lisboa está empenhada em garantir uma habitação digna para todos.

Tudo o que estamos a concretizar em Lisboa demonstra a relevância das autarquias na resolução do problema da habitação. São soluções inclusivas, que envolvem os vários agentes do setor, que unem os seus esforços, e que fazem do trabalho conjunto o catalisador para colmatar e ultrapassar o drama que tantas famílias vivem no acesso à habitação.

Tendo isto em conta, cremos que as medidas aqui apreciadas pelo Governo devem ser reavaliadas com base nas seguintes linhas orientadoras: abertura à participação, envolvimento e inclusão de todas as partes, e pragmatismo nas soluções. Só assim se garantirá uma resposta eficaz a um problema reconhecido por todos.
 

* A tomada de posição expressa neste texto representa a avaliação do Presidente e de todos os vereadores com pelouro da Câmara Municipal de Lisboa.

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